28/03/2011

Entrevista de Harold Bloom

ÉPOCA – Como o senhor analisa o sucesso da literatura infantil atual?


Harold Bloom – É um fenômeno de mercado. A maior parte dos livros para crianças à venda nas livrarias é idiota, não serve para nada, muito menos para suprir a necessidade de leitura de uma criança ou do leitor de qualquer faixa etária. Livros estão sendo confeccionados para vender e se tornar sucessos no cinema e na televisão. Isso nada mais é que uma máscara que oculta o rosto cada vez mais estúpido da era da informação. Os tais livros infantis ajudam a destruir a cultura literária.

ÉPOCA – Sua opinião mudou em relação à série Harry Potter?


Bloom – Odeio Harry Potter. É bruxaria barata reduzida a aventura. É prejudicial ao leitor. Não tem densidade. A escrita é horrível. Lancei a polêmica, sabendo que eu atuaria como Hamlet, que defronta com um oceano de aborrecimentos. Continuo me incomodando com os fãs do pequeno feiticeiro.

ÉPOCA – Existe solução para incentivar a leitura entre os jovens?


Bloom – Não vejo diferença entre literatura adulta e infantil. Existe, sim, uma diferença essencial entre boa e má literatura. A solução está na boa leitura, em todas as idades. A primeira idéia da coletânea que organizei era criar um compêndio de boa leitura, que se intitularia O Leitor Solitário. Aos poucos, me dei conta de que estava fazendo um livro para jovens, com poemas e histórias simples, sem prejuízo da qualidade. Percebi então que poetas como John Keats e John Donne poderiam servir para alimentar a imaginação da juventude, assim como os contos de C.K. Chesterton e Robert Louis Stevenson.

ÉPOCA – Mas por que existe essa separação entre literatura para pequenos e grandes?

Bloom – Diferenciar livros para crianças e para adultos foi útil na divisão do mercado do século passado, mas hoje encobre um fato muito grave: o de que a estupidez está acabando com a cultura literária. As crianças de hoje não são mais burras que as de antigamente. O problema está em vencer modismos e chamar a atenção para bons exemplos literários. Talvez a queda dos índices de leitura se deva aos maus exemplos que os pais estão dando a seus filhos.

ÉPOCA – Há uma continuidade entre seus três trabalhos – Angústia da Influência (1973), O Cânone Ocidental (1994) e o recente Gênio?


Bloom – Tenho escrito um só livro, que continua no próximo volume. Talvez por isso eu desagrade aos colegas de universidade. Nunca termino e eles ficam irritados. Minha obra começou com a preocupação de distinguir os poetas fortes dos fracos. Os fortes fundam uma série e brigam entre si. Os fracos são descartados pela história. A literatura não passa de uma luta entre fracos e fortes. A crítica, como gênero literário, envolve batalhas entre bons e maus. Tracei em Angústia da Influência uma genealogia de poetas fortes. A cultura politicamente correta e as feministas detestaram o livro, alegando que eu privilegiava autores mortos, brancos e ocidentais. Dos anos 70 para cá, os valores da cultura literária estão se diluindo e maus autores passam a virar importantes quando não são. Por isso resolvi estabelecer um cânone, uma lista de obras fundamentais. Gênio consiste em um mosaico de referência pessoais. Para mim, a leitura é um gesto particular. Minha função como crítico literário é oferecer um conhecimento menos teórico do que prático da literatura. Meu objetivo é levar as pessoas a ler.

ÉPOCA – Como recuperar o conceito de genialidade em tempos tão céticos como os de hoje?


Bloom – A noção de gênio está fora de moda há muito tempo na universidade, desde meados do século XIX. Os intelectuais a desprezam, por ser um resquício do espiritualismo romântico. Estou tentando restaurar uma idéia arraigada na história do Ocidente há milênios. No livro, tratei de buscar a genealogia dos gênios em todos os tempos e todos os lugares. Resultou no maior volume que já produzi em minha vida, com cerca de 1.000 páginas. E foi mal recebido nos Estados Unidos. Há um preconceito dos intelectuais americanos em relação à genialidade. O que vale aqui é a cultura 'do homem comum'. Genialidade é algo antipático para a cidadania americana. Gênio é uma palavra com duplo sentido e vem dos gregos, fundamentando nossa tradição cultural. Tanto designa uma família de escritores talentosos ao longo da História, ligados por características semelhantes, como indica o daemon, a entidade divina da inspiração que todos carregamos dentro de nós. É um conteúdo sagrado que não podemos ignorar de forma alguma, mesmo que os acadêmicos insistam que ele não existe.

ÉPOCA – Quem são os grandes gênios da literatura?

Bloom – Escritores como Shakespeare, Dante, Cervantes e Milton não têm rival na história literária. São escritores tão fortes que suas obras e personagens alteraram os rumos da história literária futura. Continuamos vivendo sob seu impacto. Eles são dotados de poderes literários extraordinários. Chamá-los de gênios, portanto, é fazer-lhes justiça.

ÉPOCA – O senhor costuma dizer: 'Shakespeare lê você de um modo muito mais completo do que você pode lê-lo'. Isso não é subestimar a capacidade do leitor?


Bloom – Não. O que quero dizer é que a leitura de um gênio como Shakespeare proporciona diversos registros. O iluminista Samuel Johnson, um de meus críticos favoritos, dizia que o leitor comum pode aproveitar Shakespeare a seu modo, no estágio intelectual em que se encontra. A leitura que ele fizer de uma peça como Hamlet terá sido válida se ele tirar proveito dela. Os grandes gênios são espelhos nos quais os leitores se miram e acabam encontrando a si próprios.

ÉPOCA – O que define um gênio?

Bloom – É o autor capaz de mudar a História. Aliás, não acredito em História. Para mim, só existem biografias. As obras literárias não podem ser consideradas apenas como meras manchas nas páginas do tempo. Em tal corrente de biografias estendidas através da linha cronológica, existe uma família de iluminados que compartilham características como naturalidade, intensidade, exuberância e loucura. Gênios são aqueles que não se submetem às leis de seus predecessores.

ÉPOCA – O senhor inclui autores orientais em Gênio?

Bloom – Tentei ampliar o cânone incluindo agora também Oriente, Norte e Sul. Selecionei 100 autores geniais contra os 26 que havia escolhido para O Cânone Ocidental. Na nova lista está, por exemplo, a escritora japonesa Murasaki Shikibu (973-1025). Ela guarda um ar de família com Jane Austen quando escreve histórias sobre o desprezo amoroso. Também incluí a Bíblia e o Alcorão. Nestes tempos em que as religiões orientais são satanizadas, acho fundamental chamar a atenção para a qualidade literária de Maomé. O Alcorão é um dos mais belos poemas que conheço. As tradições se mesclam. A Bíblia, que foi escrita por muitos autores, e o Alcorão fazem parte de uma tradição comum, o cânone mundial.

ÉPOCA – O senhor cita Fernando Pessoa entre os grandes escritores no Cânone Ocidental. Agora inclui Machado de Assis. Por que ele é gênio?


Bloom – Leio em português com certa fluência. Gosto muito de José Saramago, somos bons amigos, embora eu não concorde com a posição dele em relação à guerra contra o terrorismo. Ele é comunista, respeito as idéias dele, mas não concordo. É um bom escritor. Em poesia, a língua portuguesa legou Camões e Fernando Pessoa. Na ficção, adoro Eça de Queirós e Machado de Assis. Considero Machado o maior gênio da literatura brasileira do século XIX. Ele reúne os pré-requisitos da genialidade: exuberância, concisão e uma visão irônica ímpar do mundo. Procuro um grande poeta brasileiro vivo. Ainda não o encontrei. Conheço Carlos Drummond de Andrade e ouvi falar de Guimarães Rosa, que adoraria ler. Não sei se terei tempo.

Porque ele é super conservador e existem várias pessoas que discordam dele, inclusive eu, mas não nego que em alguns aspectos comungo da mesma opinião dele.

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